21 março 2007

Viver sempre também cansa!



O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinza, negro, quase-verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.
O mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.
As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha, não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.
Tudo é igual, mecânico e exacto.
Ainda por cima, os homens são os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.
E há bairros miseráveis, sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe, automóveis de corrida...
E obrigam-me a viver até à Morte!
Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois,
achando tudo mais novo?
Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima de um divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas por mim, meu amor do Norte.
Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com o teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
"Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela."
E virias depois, suavemente,velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo...


José Gomes Ferreira (1900 - 1985)
[viver sempre cansa e muito... vou suicidar-me por uns tempos!]

1 comentário:

Anónimo disse...

Não.
Não faças isso!....mesmo que alguém te vele...é tão bom sentir o sol, a brisa do mar, ouvir os passarinhos cantar, as crianças chamar, até as cobranças ou exigências...por muito cansada que se esteja...é sempre bom acordar...para mais um dia de "novas aventuras" ou não?!!!...ha sempre alguém que se lembra...ha sempre alguém que se preocupa, ha sempre alguém... mesmo quando não parece haver!!!

fica bem ;-)

jokinha

Eu sei que tu sabes. Não sabes?