28 outubro 2007

The Kingdom

Um filme bastante educativo sobre as «relações petrolíferas» dos EUA e a Arábia Saudita (o Reino). E quando é necessário manter as 'boas relações diplomáticas' as aparências são fundamentais e nada consentâneas com ataques terroristas, assassinatos e incompetências policiais dos sauditas. Porque afinal, os americanos são 'grandes' investigadores: «os melhores» como dito no filme, e isso é uma característica inata, digna do «povo escolhido». Mas o «povo escolhido» a Ocidente é infiel no Médio Oriente e por isso é necessário matá-lo.
A eterna luta camuflada atrás da religião: por Alá, por Deus; e o abuso de uso da imagem das crianças como o elo de ligação entre povos culturalmente tão distintos.

«como se combate um inimigo que não tem medo da morte? a resposta reside para o realizador Peter Berg em: «mostra-se-lhe uma criança». E como se consola alguém que acabou de perder um ente querido: «sussura-se: vamos matá-los todos». A inocência e a vingança a uma distância tão confusa.

Brilhantes interpretações de Jamie Foxx (ai! que este homem tira-me do sério); Cris Cooper e Jennifer Gardner (apesar de demasiado piegas, no entanto, é o seu feeling feminino que resolve o puzzle).

Nota negativa para a ridicularização tanto da família real como da diplomacia americana. Nota positiva para o evidenciar de que nem todos são iguais e não deveremos julgar um homem pela sua família e pelas atrocidades que alguns membros do seu povo cometem.

21 outubro 2007

o essencial é invisível aos olhos

... Julgava-me muito rico por ter uma flor única no mundo e, afinal só tenho uma rosa vulgar... Foi então que apareceu uma raposa .

- Olá, bom dia! disse a raposa.

- Olá, bom dia! - Respondeu delicadamente o principezinho... -Anda brincar comigo - pediu o principezinho. Estou tão triste...

- Não posso ir brincar contigo - disse a raposa. - Ainda ninguém me cativou... Andas á procura de galinhas?

- Não... Ando á procura de amigos. O que é que "cativar" quer dizer? ...

- Quer dizer que se está ligado a alguém, que se criaram laços com alguém.

- Laços? Sim, laços - disse a raposa. - ... Eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo e eu serei para ti, única no mundo... Tenho uma vida terrivelmente monótona... Mas se tu me cativares, a minha vida fica cheia se Sol. Estás a ver, ali adiante, aqueles campos de trigo? ... não me fazem lembrar de nada. É uma triste coisa! Mas os teus cabelos são da cor do ouro. Então quando eu estiver cativada por ti, vai ser maravilhoso! Como o trigo é dourado, há-de fazer-me lembrar de ti... - Só conhecemos as coisas que cativamos - disse a raposa. - Os homens, agora já não tem tempo para conhecer nada. Compram as coisas feitas nos vendedores. Mas como não há vendedores de amigos, os homens já não tem amigos. Se queres um amigo, cativa-me!

-E o que é preciso fazer? - Perguntou o principezinho.

- É preciso ter muita paciência. Primeiro, sentas-te um bocadinho afastado de mim, assim em cima da relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu não dizes nada . A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas todos os dias te podes sentar mais perto... Se vieres sempre ás quatro horas, ás três já eu começo a ser feliz...

Foi assim que o principezinho cativou a raposa. E quando chegou a hora da despedida:

- Ai! - exclamou a raposa - Ai que me vou pôr a chorar...

- ... Então não ganhaste nada com isso!

- Ai isso é que ganhei! - disse a raposa. - Por causa da cor do trigo... Depois acrescentou: - Anda vai ver outra vez as rosas. Vais perceber que a tua é única no mundo.

O principezinho lá foi... - vocês não são nada disse-lhes ele. - Não há ninguém preso a vocês... - não se pode morrer por vocês... ... A minha rosa sozinha. vale mais do que vocês todas juntar, porque foi a ela que eu reguei, que eu abriguei... Porque foi a ela que eu ouvi queixar-se, gabar-se e até, ás vezes calar-se. Porque ela é a minha rosa.

E então voltou para ao pé da raposa e disse:

- Adeus...

- Adeus - disse a raposa. - vou-te contar o tal segredo. É muito simples: Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos... Foi o tempo que tu perdes-te com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante. - Os homens já se esqueceram desta verdade - disse a raposa. Mas tu não te deves esquecer dela. Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que está preso a ti. Tu és responsável pela tua rosa...



[«O Principezinho» Antoine De Saint-Exupery]






[não sei quantas vezes já li este livro, nem quantas mais o lerei... sempre que me esqueço que a criança vive, sempre que quero acreditar que não estou só... sempre que percebo o quão difícil é cativar e ainda mais deixar-se cativar... este cativo que me tem cativa... e cada vez que partem, lembro-me que por muito tempo que lhes tenha dedicado, não ficou nenhum campo de trigo para lembrar e é preciso lavar a mágoa para o próximo cativeiro...]




"Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós".

18 outubro 2007

despedida

[orfeu e eurídice by Rodin]


Antecipa-te a toda a despedida, como se ela te ficasse
já para trás, como o inverno que está a partir.
Pois entre invernos há um tão sem-fim inverno
que, sobre-hibernando-o, o teu coração sobreviverá.

Sê sempre morto em Eurídice - , mais cantante sobe,
Mais celebrante sobe e volta à pura relação.
Sê aqui, entre os efémeros, no reino do declínio,
Sê cristal tininte que já no tinido se quebrou.

Sê – e sabe ao mesmo tempo a condição do não-ser,
A infinda razão do teu íntimo vibrar
Pra a cumprires totalmente esta única vez.

Às reservas usadas, como às surdas e mudas,
Da natureza plena, às somas incontáveis
Soma-te a ti com júbilo e destrói o número.



Rainer Maria Rilke (1875-1926)
Sonetos a Orfeu
(tradução de Paulo Quintela)


[esta coisa de viver sempre a antecipar as despedidas conforma-nos, mas não sei até que ponto não as provoca... enfim! para já estou em tempo de despedidas: grandes despedidas]


15 outubro 2007

Lost by Anouk

If roses are meant to be red
and violets to be blue
why isnt my heart ment for you
my hands are longing to touch you
I can barely breathe
starry eyes that make me melt
right in front of me

lost in this world
I even get lost in this song
and when the lights go down
that is where I'll be found

this music's irresistable
your voice makes my skin crawl
innocent and pure
I guess you heard it all before

mister inaccessible
will this ever change
one thing that remains the same
you're still a picture in a frame

lost in this world
I even get lost in this song
and when the lights go down
that is where I'll be found
I get lost in this world
I get lost in your eyes
and when the lights go down
that is where I'll be found

yeah yeah

lost in this world
I get lost in your eyes
so when the lights go down
am i the only one


[outra brilhante, com tudo a ver: One Word]

09 outubro 2007

A Voz dos Deuses

[Viriato por Carlos Alberto Santos]


A Voz dos Deuses é já um clássico do romance histórico português contemporâneo. Uma leitura apaixonante que nos dá a conhecer a história de Viriato, um dos construtores da realidade ibérica.

Em 147 a.C., alguns milhares de guerrilheiros lusitanos encontram-se cercados pelas tropas do pretor Caio Vetílio. Em princípio, trata-se apenas de mais um episódio da guerra que a República Romana trava há longos anos para se apoderar da Península Ibérica. Mas os Lusitanos, acossados pelo inimigo, elegem um dos seus e entregam-lhe o comando supremo. Esse homem, que durante sete anos vai ser o pesadelo de Roma, chama-se Viriato.

Entre 147 e 139, ano em que foi assassinado, Viriato derrotou sucessivos exércitos romanos, levou à revolta grande parte dos povos ibéricos e foi o responsável pelo início da célebre Guerra de Numância. Viriato foi um verdadeiro génio militar, político e diplomático. Mas, sobretudo, Viriato foi o defensor de um mundo que morria asfixiado pelo poderio romano: o mundo em que mergulham as raízes mais profundas de Portugal e de Espanha. É esse mundo, já então em declínio, que este livro tenta evocar.



[um retrato apaixonante das lutas contra as legiões romanas, contra o opressor; da vontade férrea de independência com sacrifícios de vida, de amor. O retrato visionário e a consciência da importância da honra e dos princípios que pautam a conduta humana. A crença nos deuses, na sua protecção, nos seus milagres, quando se torna difícil acreditar nos milagres humanos. Um livro fascinante que se lê de um sopro e que nos marca como uma esperança.]


08 outubro 2007

zzyzx road

I don't know how else to put this.
It's taken me so long to do this.
I'm falling asleep and I can't see straight.

My muscles feel like a melee,
My body's curled in a U-shape.
I put on my best, but I'm still afraid.

Propped up by lies and promises.
Saving my place as life forgets.
Maybe it's time I saw the world.

I'm only here for a while.
Patience is not my style,
And I'm so tired that I got to go.

Where am I supposed to hide now?
What am I supposed to do?
Did you really think I wouldn't see this through?

Tell me I should stick around for you.
Tell me I can have it all.
I'm still too tired to care and I got to go.

I get to go home in one week.

But I'm leaving home in three weeks.
They throw me a bone just to pick me dry.

I'm following suit and directions.
I crawl up inside for protection.
I'm told what to do and I dont know why.

I'm over existing in limbo
I'm over the myths and placebos
I dont really mind if I just fade away

I'm ready to live with my family.
I'm ready to die in obscurity
Cause I'm so tired that I got to go.

Where am I supposed to hide now?
What am I supposed to do?
You still don't think I'm gonna see this through?

Tell me I'm a part of history.
Tell me I can have it all.
I'm still too tired to care and I got to go.



[ou na versão mais curta: 'I'm drowning in dry land'... quando irei sair deste naufrágio?]

03 outubro 2007

Que serais-je sans toi [Louis Aragon]




Que serais-je sans toi qui vins à ma rencontre
Que serais-je sans toi qu'un cœur au bois dormant
Que cette heure arrêtée au cadran de la montre
Que serais-je sans toi que ce balbutiement.

J'ai tout appris de toi sur les choses humaines
Et j'ai vu désormais le monde à ta façon
J'ai tout appris de toi comme on boit aux fontaines
Comme on lit dans le ciel les étoiles lointaines
Comme au passant qui chante on reprend sa chanson
J'ai tout appris de toi jusqu'au sens du frisson.

Que serais-je sans toi qui vins à ma rencontre
Que serais-je sans toi qu'un cœur au bois dormant
Que cette heure arrêtée au cadran de la montre
Que serais-je sans toi que ce balbutiement.

J'ai tout appris de toi pour ce qui me concerne
Qu'il fait jour à midi, qu'un ciel peut être bleu
Que le bonheur n'est pas un quinquet de taverne
Tu m'as pris par la main dans cet enfer moderne
Où l'homme ne sait plus ce que c'est qu'être deux
Tu m'as pris par la main comme un amant heureux.

Que serais-je sans toi qui vins à ma rencontre
Que serais-je sans toi qu'un cœur au bois dormant
Que cette heure arrêtée au cadran de la montre
Que serais-je sans toi que ce balbutiement.

Qui parle de bonheur a souvent les yeux tristes
N'est-ce pas un sanglot que la déconvenue
Une corde brisée aux doigts du guitariste
Et pourtant je vous dis que le bonheur existe
Ailleurs que dans le rêve, ailleurs que dans les nues.
Terre, terre, voici ses rades inconnues.

Que serais-je sans toi qui vins à ma rencontre
Que serais-je sans toi qu'un cœur au bois dormant
Que cette heure arrêtée au cadran de la montre
Que serais-je sans toi que ce balbutiement.



[o amor é perigoso! Sim – responde o anjo – e então?]

01 outubro 2007

Outro Testamento

Quando eu morrer deitem-me nu à cova
Como uma libra ou uma raiz,
Dêem a minha roupa a uma mulher nova
Para o amante que a não quis.

Façam coisas bonitas por minha alma:
Espalhem moedas, rosas, figos.
Dando-me terra dura e calma,
Cortem as unhas aos meus amigos.

Quando eu morrer mandem embora os lírios:
Vou nu, não quero que me vejam
Assim puro e conciso entre círios vergados.
As rosas sim; estão acostumadas

A bem cair no que desejam:
Sejam as rosas toleradas.
Mas não me levem os cravos ásperos e quentes
Que minha Mulher me trouxe:
Ficam para o seu cabelo de viúva,
Ali, em vez da minha mão;
Ali, naquela cara doce...
Ficam para irritar a turba
E eu existir, para analfabetos, essa correcta irritação.

Quando eu morrer e for chegando ao cemitério,
Acima da rampa,
Mandem um coveiro sério
Verificar, campa por campa
(Mas é batendo devagarinho
Só três pancadas em cada tampa,
E um só coveiro seguro chega),
Se os mortos têm licor de ausência
(Como nas pipas de uma adega
Se bate o tampo, a ver o vinho):
Se os mortos têm licor de ausência
Para bebermos de cova a cova,
Naturalmente, como quem prova
Da lavra da própria paciência.

Quando eu morrer. . .
Eu morro lá!
Faço-me morto aqui, nu nas minhas palavras,
Pois quando me comovo até o osso é sonoro.

Minha casa de sons com o morador na lua,
Esqueleto que deixo em linhas trabalhado:
Minha morte civil será uma cena de rua;
Palavras, terras onde moro,
Nunca vos deixarei.

Mas quando eu morrer, só por geometria,
Largando a vertical, ferida do ar,
Façam, à portuguesa, uma alegria para todos;
Distraiam as mulheres, que poderiam chorar;
Dêem vinho, beijos, flores, figos a rodos,
E levem-me - só horizonte - para o mar.


[Vitorino Nemésio]


A homenagem sentida ao poeta das ilhas, do Mau Tempo no Canal, do Cavalo Encantado...