30 setembro 2008

Jane Eyre



Jane Eyre é uma jovem órfã de pais e que acaba órfã de tio ficando à guarda de uma tia amarga que a odeia. Jane é especial, é arrebatada pela paixão de viver, pelos sentimentos. É igualmente forte o que cativa quem a ama e provoca o ódio de quem a inveja. A tia torna-lhe a vida miserável e não cumpre a promessa feita ao marido de a criar como sua filha. Por vingança, esconde a Jane que ela tem mais família e envia-a para um colégio interno - Lowood - onde a maior parte das jovens morre com uma febre provocada pelo frio e pela má alimentação.

Em Lowood, Jane conhece o valor da amizade e da perda quando a sua única amiga morre. Mas sobrevive e candidata-se a perceptora da jovem francesa Adéle em Thornfield, sob as ordens de um homem amargo, sofrido e enigmático - Mr. Rochester.

A frontalidade de Jane e o seu arrebatamento levam-na à conquista do seu lugar e ao respeito de Mr. Rochester tornando-se a sua companhia preferida. Contudo em Thornfield, os mistérios do passado assombro as noites e condenam o amor da perceptora com o dono da casa.



Adaptação da BBC para Televisão, esta mini-série de 2006 teve o dom de me fazer rir, adorar personagens sarcásticas, admirar a paciência e a calma, acreditar na paixão e no encontro de duas almas que de tão diferentes se tornaram tão iguais. Uma lição de tolerância, o revivalismo dos valores de uma Inglaterra vitoriana, a prova de que a adaptação de grandes obras (esta de Charlotte Bronte) se recomenda vivamente. São obras como esta que me lembram de como o amor só acontece quando deve, pois há forças no Universo que têm de ser alinhadas, para proporcionar a felicidade sem entraves, o quadro de família perfeito. Se há perfeição o Toby Stephens deve fazer parte dela :))


Produzido por: Susanna White
Protagonizado por: Rute Wilson e Toby Stephens

29 setembro 2008

un ange parmis les loups



[c'est officiel: France je vous aime! Votre langue, votre culture, votre musique, votre façons de vivre, votre savoir faire, votre penser… c’est simplement magnifique!]

28 setembro 2008

ange parle-moi




L'ange parle-moi !

Le plus vaste des cœurs se brise.

Parle-moi !

L'hiver pourvu qu'on le cultive.

Dans cette pièce

Nul semble respirer

Ici, c'est un...

Abri qui m'a été donné !

Don't let me die, l'ange

Don't let me die, l'archange

Tu sais le temps qu'il faut pour apaiser

Nos peines

Don't let me die,

Et dis encore "je t'aime"

Parle-moi !

Pourquoi cette couleur trompeuse ?

Ange, parle-moi !

De voir qu'en lui, ils étaient deux.

Je sais ce que...

Mentir veut dire pour moi

Tu sais

Dieu a rompu

Son pacte avec cet étranger !

Parle-moi, parle-moi

Dis-moi si tu es là ?

Ange, parle-moi, parle-moi

Dis-moi si tu es là ?



[pois é às vezes sou tomaia, preciso que me lembres que estás... não me deixes... fala comigo!]

Pedro Homem de Mello (1947-1954)

Bodas Vermelhas (1947)


Canção Hindu

Nesta rua cansada que morreu,

A luz doira e perfuma as pedras velhas.

Na minha rua as mãos foram vermelhas

E hoje são brancas, pálidas como eu.

A água, ao nascer, enterra o sol poente...

Na igreja há ruínas, mas no altar há cravos.

E, para a sede, há vinho que nos mente

E que liberta os braços dos escravos.

Cegos, leprosos, mas que não tem fim.

(Sofriam mais, talvez, não sendo assim...).

Meu país sem futuro e sem presente!

Minha pátria de ausência e podridão!

Negros? Judeus? Cativos? – Tudo é gente.

Só quem ri dos Poetas é que não.


Miserere (1948)

Remorso

Lembro o seu vulto, esguio como espectro,

Naquela esquina, pálido, encostado!

Era um rapaz de camisola verde,

Negra madeixa ao vento,

Boina maruja ao lado...

De mãos nos bolsos e de olhar distante

- jeito de marinheiro ou de soldado...

Era um rapaz de camisola verde,

Negra madeixa ao vento,

Boina maruja ao lado.

Quem o visse, ao passar, talvez não desse

Pelo seu ar de príncipe, exilado

Na esquina, ali, de camisola verde,

Negra madeixa ao vento,

Boina maruja ao lado.

Perguntei-lhe quem era e ele me disse:

Sou do Monte, Senhor! E seu criado...

Pobre rapaz da camisola verde

Negra madeixa ao vento,

Boina maruja ao lado!

Porque me assaltam turvos pensamentos?

Na minha frente estava um condenado?

- Vai-te! rapaz de camisola verde,

Negra madeixa ao vento,

Boina maruja ao lado!

Ouvindo-me, quedou-se, altivo, o moço,

Indiferente à raiva do meu brado.

E ali ficou, de camisola verde,

Negra madeixa ao vento,

Boina maruja ao lado...

Ali ficou... e eu, cínico, deixei-o

Entregue à noite, aos homens, ao pecado...

Ali ficou, de camisola verde,

Negra madeixa ao vento,

Boina maruja ao lado...

Soube eu depois, ali, que se perdera

Esse que, eu só, pudera ter salvado!

Ai! do rapaz da camisola verde,

Negra madeixa ao vento,

Boina maruja ao lado!


Fado

Eu tenho dois corações

Dentro e fora do meu lar.

Eu tenho dois corações.

Mas esses dois corações

Já me não podem bastar.

Quando a tristeza é tão triste,

Qual dos dois sofrerá mais?

O que é real não existe.

Eu tenho dois corações,

Ambos eles irreais.

Dois corações: o primeiro

Pertence à rua e ao pecado.

O segundo é cativeiro

De quem se fez caminheiro

Sem nunca ter caminhado!

Amor que se diga amor,

Não é homem nem mulher.

Engano? Seja o que for!

Como gostar duma flor

Sem gostar doutra qualquer?


Adeus (1951)

Aliança

Por tudo quanto sei, mas não sabia,

(Feliz de quem um dia ainda o souber!)

Por essa estrela branca em noite fria!

Anunciação, talvez, de poesia...

Por ti, minha mulher!

Por esse homem que sou, mas não era,

Vendo na morte a vida que vier!

Por teu sorriso em minha vida austera.

Anunciação, talvez de Primavera...

Por ti, minha mulher!

Pelo caminho humano a que vieste

Com fé no amor. – Seja o que Deus quiser!

Por certa fonte abrindo a rocha agreste...

Por esse filho loiro que me deste!

Por ti, minha mulher!

Pelo perdão que espalho aos quatro ventos,

De antemão cego ao mal que me trouxer

Despeitos surdos, pérfidos momentos;

Pelos teus passos, junto aos meus, mais lentos...

Por ti, minha mulher!

Nada mais digo. Nada. Que não posso!

Mas dirá mais do que eu quem não disser

Como eu?: - Avé-Maria... Pedre-Nosso...

Por tudo, quanto é meu (e que é tão nosso!)

Por ti, minha mulher!



Os amigos infelizes

Vendem-se os corpos? O meu é firme:

Rosto sereno, líquido olhar.

E há-de a miséria vir destruir-me?

Onde é que há oiro que o vou buscar?

Vendem-se as almas? A minha é pura.

Cercam-na rosas, fontes, luar...

Tenho alma e corpo – sexo e cintura...

Onde é que há oiro que o vou buscar?

Vendem-se versos – Com a voz triste

Compus poemas talvez sem par...

Quando cantamos, quem nos resiste?

Onde é que há oiro que o vou buscar?

Vendem-se as Pátrias? – Não vendo a minha.

Que é do meu nome? Que é do meu lar?

Ai! a miséria que se avizinha!

Onde é que há oiro que o vou buscar?

No entanto passas... Nada me dizes?

Talvez que eu pese em teu olhar...

Ó meus amigos sempre infelizes!

Ó meus amigos sempre infelizes,

Onde é que há oiro que o vou buscar?


Os amigos infelizes (1952)

Apelo

Quem quer que sejas, vem a mim apenas

De noite, quando as rosas adormecerem!

Vem quando a treva alonga as mãos morenas

E quando as aves de voar se esquecem.

Vem a mim quando, até nos pesadelos,

O amor tenha a beleza da mentira.

Vem quando o vento acorda em meus cabelos,

Como em olhagem que, ávida, respira...

Vem como a sombra, quando a estrada é nua,

Num risco de asa, vem, serenamente!

Como as estrlas, quando não há Lua

Ou como os peixes, quando não há gente...


Francisco

Trazia-nos o mar quando cantava...

Era seu canto a própria maresia!

Contudo, em sua boca, uma flor brava –

Rosa de carne – à terra, ainda o prendia.

Nos seus dedos, as sombras das gaivotas

Poisavam sem poisar...

Mastro perdido! Inverosímeis rotas

Que nunca mais hão-de recomeçar!

Seria frágil? Sim, porque era forte.

Seria bom? Não sei... mas era puro.

Tinha a beleza que anuncia a morte

Do lírio prematuro.

Quadril enxuto. E o peito? – Asas redondas

Com que se voa mais que se respira!

Corpo de efebo no cristal das ondas.

Em vez de vermes, algas de safira...

Sombra

Aquela estrela apagada

Que tantas vezes luziu,

Ó meu amor não foi nada!

Foi um de nós que partiu...

E aquela flor? Ai! da flor!

Quem a pisou? Tu ou eu?

Não foi nada, ó meu amor!

- Foi um de nós que morreu...

E aquela folha caída

Que logo o vento levou?

Ó meu amor! foi a vida.

- Foi um de nós que passou...


Claustro

Como se a noite fosse clara,

Como se o lume fosse frio,

Procuro ler em cada rio

Aquela curva que separa...

Como se um pássaro pudesse

Levar consigo a minha imagem,

Na inconfidência da folhagem

Procuro o voo duma prece.

Como se a morte fosse o muro

E a vida apenas a parede,

Procuro ver, por trás da sede,

A fome que ainda não procuro.

Como se, negra, uma bandeira

Me trespassasse o coração,

Procuro, em toda a escuridão,

A minha Pátria verdadeira.

Como se o dia fosse de água

E respirasse como um peixe,

Procuro a fonte que me deixe

Beber, sozinho, a minha mágoa...

Espera


Quando virás na vaga proibida,

Com maresia e vento ao abandono,

Pôr nos meus lábios um sinal de vida

Onde haja apenas pétalas e sono?

Com teu olhar de nuvem ou cipreste,

Com uma rosa oculta por florir,

Se te chamei e nunca mais vieste

Quando virás sem que eu te mande vir?

Quando, quebrando todos os segredos,

Na aragem que a poesia deixa nua,

Virás deitar-te um pouco nos meus dedos

Como o Sol, como a Terra, como a Lua?

E por que a minha boca te sorrira

Tentando abrir uma invisível grade,

Quando virás, sem medo e sem mentira,

Dar a meu corpo a sua liberdade?


Os amigos infelizes

Andamos nus, apenas revestidos

Da música inocente dos sentidos.

Como nuvens ou pássaros passamos

Entre o arvoredo, sem tocar nos ramos.

No entanto, em nós, o canto é quase mudo.

Nada pedimos. Recusamos tudo.

Nunca para vingar as próprias dores

Tiramos sangue ao mundo ou vida às flores.

E a noite chega! Ao longe, morre o dia...

A Pátria é o Céu. E o Céu, a Poesia...

E há mãos que vêm poisar em nossos ombros

E somos o silêncio dos escombros.

Ó meus irmãos! em todos os países,

Rezai pelos amigos infelizes!


O rapaz da camisola verde (1954)


Solidão

Ó solidão! À noite, quando, estranho,

Vagueio sem destino, pelas ruas,

O mar todo é de pedra... e continuas.

Todo o vento é poeira... e continuas.

A Lua, fria, pesa... e continuas.

Uma hora passa e outra... e continuas.

Nas minhas mãos vazias continuas,

No meu sexo indomável continuas,

Na minha branca insónia continuas,

Paro como quem foge. E continuas.

Chamo por toda a gente. E continuas.

Ninguém me ouve. Ninguém! E continuas.

Invento um verso... e rasgo-o. E continuas.

Eterna, continuas...

Mas sei por fim que sou do teu tamanho!



13 setembro 2008

Pedro Homem de Mello (1944)




Fui pedir um sonho ao jardim dos mortos

Fui pedir um sonho ao jardim dos mortos
Quis pedi-los, aos vivos. Disseram-me que não.
Os mortos não sabem, lá onde é que estão,
Que neles se enfeitam os meus braços tortos.

Os mortos dormiam... Passei-lhes ao lado.
Arranquei-lhes tudo, tudo quanto pude;
Páginas intactas – um livro fechado
Em cada ataúde.

Ai as pedras raras! As pedras preciosas!
Relâmpagos verdes por baixo do mar!
A sombra, o perfume dos cravos, das rosas
Que os dedos, já hirtos, teimavam guardar!

Minha alma é um cadáver pálido, desfeito.
As suas ossadas
Quem sabe onde estão?
Trago as mãos cruzadas...
Pesam-me no peito.
Quem sabe se a lama onde hoje me deito
Dará flor aos vivos que dizem que não?


«Mea culpa»

Fugindo à voz do amor, fugindo à luta,
A lágrima que nasce em mim nem rola
Fica-me a face branca, branca e enxuta;
Cruzei os braços recusando a esmola.
Por astúcia esquivei-me a qualquer crime.
Com gestos hábeis, cínicos de bruxo.
Desconheço o remorso que redime.
Dei-me à virtude fria como a um luxo.


Escuridão


Negra, sim, como os cravos são vermelhos,
Negra, sim, como a neve é branca e fria,
Negra como as mãos postas e os joelhos
Assim é negra a noite do meu dia.
Negra como o que penso e o que não dizes!
(Lembro não sei que pássaro ao poente...)
Ai! a fronteira em todos os países
Ai! um só fruto proibido e ardente!
Negra como a ignorância e a realeza
Dos braços que se cruzam com desdém.
Negra como a raiz oculta e presa
Como o nome (tão meu) de Pedro Sem!
Negra como os vestígios maus do sangue
E o destino de toda a Poesia...
Negra como esse corpo, doce e langue,
Que da sua beleza não sabia...
Assim é negra a noite do meu dia,
Negra como as mãos postas e os joelhos,
Negra, sim, como os cravos são vermelhos,
Negra, sim, como a neve é branca e fria...


Presságio

Ela há-de vir como um punhal silente
Cravar-se para sempre no meu peito.
Podem os euses rir na hora presente
Que ela há-de vir como um punhal direito.
Cubram-me lutos, sordidez e chagas!
Também rubis das minhas mãos morenas!
Rasguem-se os véus do leito em que me afagas!
- A coroa de ferro é cinza apenas...
E ela há-de vir a lepra que receio
E cuja sombra, aos poucos me consome.
Ela há-de vir, maior que a sede e a fome,
Ela há-de vir, a dor que ainda não veio.


Príncipe Perfeito


Aquele estranho soldado
Nunca a farda ele a rompeu
Aquele estranho soldado,
Cujo exército é parado;
Sou eu.

Aquela estrela cadente,
Depois de cair da altura,
Quem se lembra que ela ardeu?
Aquela estrela cadente
Sou eu.

Não foi sobre mar revolto,
Foi sobre pálido lago
Que certa nau se perdeu...
Aquela barca perdida
Sou eu.

Sei dum livro ainda fechado.
Porque é que ninguém o leu?
- Era uma vez um Poeta...
Aquele conto ignorado
Sou eu.

Nem os palmos de chão tenho
Que o destino aos mortos deu!
Não tenho um palmo de terra!
Não tenho nada. O Poeta
Sou eu.

Ó Pássaro de Pedra!
As tuas horas longas são as minhas...
À nossa frente os Oceanos falam.
Mas nós emudecemos.

À nossa beira uns choram: outros riem.
Mas nós ficamos frios e parados.
Logo, ao cair da noite,
As plantas dormem...
Os corpos vão juntar-se
Livremente.
Esses versos que o dias encarcerou!...

E eu
E tu
Morremos de cansaço,
De olhos postos no céu dos que voaram!

Ouviu-se ao longe a música da vida
Ao longe ouvi-a, em meu caixão deitado...
Não me acordou a música da vida!...
Dormi, sonhando, em meu caixão deitado,
Cavalos brancos e selins de prata,
Carroções de oiro, de oiro mas vazios,
Histórias velhas, velhas mas sem data,
Tudo como eu. Lábios turbados, frios...
Ninguém calcou a minha sepultura!
A mim chegou só o eco de outros passos!
Canção morta? Afinal, canção futura.
Sono de membros alquebrados, lassos...
Condenação! Dedo que me detém!
Ficou um sopro sobre o meu poisado...
Anjos? Demónios? Não me viu ninguém.
Vivi dormindo em meu caixão fechado.

O ritmo... A cor... O aroma... Essas nascentes
Deviam-me bastar!
Mas não! Tenho pulmões. Preciso de ar.
Trago entreaberta a boca e tenho dentes...
E o sonho? E o amor? As vibrações secretas
Deviam dar-me o alento de viver!

De que lama são feitos os Poetas
Que buscam só prazer?

Sei que há sombras e há fundos matagais...
Corpo trigueiro e forte! Por que esperas
Para saciar o instinto? Nada mais
Do que a fome dá pão e alma às feras.

Devia ser um beijo
E foi só chaga aberta!
Devia ser harpejo.
E fo nota deserta!
Ó formosura acesa!
Que é dos voos eternos?
- Caminhos de beleza
Desceram aos infernos...
Deviam ser caminhos
Onde a nossa alma fosse
Envolta em seus arminhos.
Que é da beleza doce?
Deviam ser mil rosas,
Todas resplandecentes!
Deviam ser mil rosas,
Com místicas sementes!
Deviam ser mil rosas.
E foram mil serpentes:
- Volúpias monstruosas,
Contactos decadentes...

A nascente dorida dos meus rios
Não se vê.
Meus versos, escrevi-os
Para quê?

Sofri meus pensamentos e cantei-os,
(Não foi só por cantar!)
Neles ficaam linhas de alvos seios
E tintas apagadas de luar...

Mas a nascente viva dos meus rios
Não se vê.
Meus versos, escrevi-os
Para quê?

Alguém ao lê-los não sentiu a prece?
Ah! minha rubra lágrima perdida!
Segredo? Uma vez dito, logo esquece...
Bailado? Enquanto o danço é que tem vida!

Pediram-me a alma. Dei-a.
Chamaram-lhe bruma!
Pediram-me sangue. Dei-o.
Chamaram-lhe espuma.

E atordoou-me o toque do clarim
Do que era loiro, ardente e amanheceu.
Nabucodonosor! Um nome assim,
Podia ser o meu.

As mãos do rei podiam ser as minhas.
A sua raça continua em mim.
Petrificaram-me as rainhas
À mesa do festim...

Ó danças
Por florir!
Mesopotâmia! Índia! Roma! Alcácer Quibir!
Prometeram-me lírios, cordeiros, avees mansas...

Fora príncipe cego o meu único irmão!
Minha sala de baile uma rocha bem quieta!

Os homens não me viram e nunca me verão,
A mim, que sou Poeta.

in Príncipe Perfeito (1944)

05 setembro 2008

Pedro Homem de Mello (1934-1944)




Não choreis os mortos


Não choreis nunca os mortos esquecidos
Na funda escuridão das sepulturas.
Deixai crescer, à solta, as ervas duras
Sobre os seus corpos vãos adormecidos.

E quando, à tarde, o Sol, entre brasidos,
Agonizar... guardai, longe, as doçuras
Das vossas orações, calmas e puras,
Para os que vivem, nudos e vencidos.

Lembrai-vos dos aflitos, dos cativos,
Da multidão sem fim dos que são vivos,
Dos tristes que não podem esquecer.

E, ao meditar, então, na paz da Morte,
Vereis, talvez, como é suave a sorte
Daqueles que deixaram de sofrer.


in Caravela ao mar (1934)


Canção à ausente

Para te amar ensaiei os meus lábios...
Deixei de pronunciar palavras duras.
Para te amar ensaiei os meus lábios.

Para tocar-te ensaiei os meus dedos...
Banhei-os na água límpida das fontes.
Para tocar-te ensaiei os meus dedos!

Para te ouvir ensaiei meus ouvidos!
Pus-me a escutar as vozes do silêncio...
Para te ouvir ensaiei meus ouvidos!

E a vida foi passando, foi passando...
E, à força de esperar a tua vinda,
De cada braço fiz mudo cipreste.

A vida foi passando, foi passando...
E nunca mais vieste!

Quando o vento dobrou todo o salgueiro

Quando o vento dobrou todo o salgueiro
E as folhas caíram sobre o tanque
Disseste-me em segredo:
- A vida é como as folhas
E a morte é como as águas!

Depois, à nossa frente,
Um pássaro cortou com o seu voo azul
Os caminhos do vento.
E tu disseste ainda:
- O amor é como as aves...

Mas quando aquele pássaro, ferido
Já nem sei por que bala,
Veio cair ao tanque,
Mais negros e mais fundos os teus olhos
Prenderam-se nos meus!
E não disseste nada...

in Segredo (1939)

Berço

Mansa criança brava,
Fui das mais,
Diferente.

Então, tristes, meus pais
Sentiram, certamente,
Em mim, como um castigo!

Noite e dia eu sonhava...
E era sempre comigo!

Depois, fugindo à gente,
Eu procurava as flores,
Em todas encontrando
Jeito grácil e brando
De brinquedos e amores...

As violetas sombrios
Dos bosques de Cabanas
Essas, sim! Entendi-as
E julgava-as humanas!...
Simplicidade

Queria, queria
Ter a singeleza
Das vidas sem alma
E a lúcida calma
Da matéria presa.

Queria, queria
Ser igual ao peixe
Que livre nas águas
Se mexe;

Ser igual em som,
Ser igual em graça
Ao pássaro leve,
Que esvoaça...

Tudo isto eu queria!
(Ser fraco é ser forte).
Queria viver
E depois morrer
Sem nunca aprender
A gostar da morte.

Incerteza

Toda, toda a noite fria
O rouxinol cantou.

Mas ao raiar do dia
Logo se cala triste,

Uns dizem que fugiu
Outros que não existe.


in Estrela Morta (1940)

02 setembro 2008

never give all the heart




Never give all the heart,
For love will hardly see,
For thinking of,
Two passionate wills,
If it seems certain,

Never give all the heart,
For love will hardly seem worth thinking of,
To passionate willing if it seems certain,
And they never dreamed it fades out from kiss to kiss,
For everything that's lovely is but a brief, dreaming, kind delight,
Never give the heart, out of right,
For they, for all smooth lips can say,
Have given their heart up to the play,
And who could play it well enough when deaf and dumb and blind,
With love,
Be that may, they can't afford the cost,
He who gave his heart, and lost.

They are lords who glimpse of sadness,
Have given their hearts up to the flame,
Never give all the heart...