23 agosto 2010

José Luís Peixoto




Demorei muito tempo a ler Peixoto. Talvez por temer a sua primeira obra: morreste-me. A homenagem sentida a um pai perdido pelas mãos de uma doença terrível que tira o sopro da vida quando ainda tanto há a respirar. Que transforma em zombie quem fica sempre nas nossas memórias, cravado no nosso corpo.

Morreste-me, é uma obra intensa, avassaladora e comovente: é o relato da morte do pai, o relato do luto, e ao mesmo tempo uma homenagem, uma memória redentora.

Um livro de culto. Excerto aqui.













Cemitério de Pianos
é, talvez, a obra que mais vendeu deste autor português que nem na aparência quer ser convencional.

"Numa Lisboa sem tempo, entre Benfica e o centro, nascem, vivem, sonham, amam, casam, trabalham e morrem as personagens deste livro. No ventre de uma oficina de carpintaria aninha-se o cemitério de pianos, instrumentos cujo mecanismo, à semelhança dos seres que os rodeiam, não está morto, encontrando-se antes suspenso entre vidas. Exílio voluntário onde se reflecte, se faz amor, lugar de leituras clandestinas, espaço recatado de adúlteros, pátio de brincadeiras infantis e confessionário de mortos, é o espaço onde se encadeiam gerações.

Os narradores – pai e filho –, em tempos diferentes, que se sobrepõem por vezes, desvendam a história da família, numa linguagem intercalada de sombras e luz, de silêncio e riso, de medo e esperança, de culpa e perdão. Contam-nos histórias de amor, urgentes e inevitáveis, pungentes, nas quais se lê abandono, violência doméstica e faltas nem sempre redimidas que, no entanto, acabam por ser resgatadas pelo poder esmagador da ternura e dos afectos. Falam-nos de morte, não para indicar o fim, mas a renovação, o elo entre as gerações e a continuação: o pai – relação entre dois Franciscos, iguais no nome e no destino, por um gerado, do outro genitor – nasce no dia da morte desse primeiro Lázaro; o filho, neto do seu homónimo, morre no dia em que a sua mulher dá à luz.

José Luís Peixoto oferece-nos um texto mágico, no qual se cruzam, numa interacção fluída, diálogos cúmplices com a grande tradição da literatura portuguesa e universal."


E sempre um pai perdido. Cemitério de Pianos é uma leitura que exige atenção de um autor que reclama um estilo próprio. uma pontuação sui generis, por vezes, surpreendente no arrojo, uma ligação entre parágrafos que poderá vir a ser contestada pelos puristas da língua portuguesa.

Espero em breve vir a ler Uma casa na escuridão.

18 agosto 2010

Os Íntimos


Inês Pedrosa num registo, dito, diferente do habitual: não retrata directamente o mundo das mulheres, mas a intimidade de um grupo de homens-amigos que nos seus convívios retrata as mulheres. Por muito que tente fugir, a mulher é sempre o centro literário da autora.
Contudo de sublinhar que, por muito independentes e ditas "modernas", as mulheres continuam a ser vistas pelos homens na sua dimensão mais decadente e dependente (pelo menos pela pena da autora).

A grande dúvida que permanece: serão homens e mulheres assim tão diferentes? Ou quererão simplesmente não ser confundidos e eternizarem a teorizada "guerra dos sexos"?

Finaliza com uma brilhante bofetada para acordar sonâmbulos que se julgam imunes aos sentimentos e à dependência do Amor.



"As palavras são sempre pedras, pedaços de fronteiras. Servem para separar, para rasgar (...) nunca enganam por completo. Nunca revelam a verdade toda"(21).

"A canalização celeste estoirou em cima de Portugal (...) o pessoal flutua (...) sensação de viver num aquário onde toda a gente bóia" (29).

"[a mulher] onde o ninho da vida se confunde com o poço da morte" (42).

"As mulheres são muita gente ao mesmo tempo. Como se trouxessem todas as variedades de vida dentro dos seus corpos. Elas são feiticeiras e anjos e putas" (51).

“O silêncio do amor – sem gargalhadas nem gritos, sem culpas nem explicações, sem embaraços nem exercícios de sedução” (67).

"A tese das almas gémeas é uma fraude, mas é verdade que há uma pequena percentagem de corpos incompatíveis, uma alta percentagem de corpos compatíveis e uma minoria de corpos feitos um para o outro" (100).

"A vida consiste na aprendizagem da frustração e do desconsolo" (108).

"O corpo queima quando o contacto com o espírito é total, e a alma não pode estar inteira" (130).

Perdoar tudo "com a convicção íntima de que o perdão é o maior desprezo que se pode oferecer a alguém" (220).

“O mundo é, desde o início, assim. Nós virados para a terra, à procura de pedras de arremesso, elas viradas para o céu, à procura de sentido e de aplauso” (245).

"Preciso do traço da caneta que liga o silêncio da morte às palavras da vida" (261).


Texto de apresentação do livro aqui.

04 agosto 2010

A Rainha sem Nome



Contracapa: «Filha de reis, mãe de reis e um nome esquecido na Ibéria dos Godos e dos povos Celtas.» Poderíamos definir assim a protagonista deste romance, uma personagem de origem desconhecida, acolhida pelos albiões, conhecedora dos segredos das artes dos druidas e que participa nos conflitos territoriais da sua época. No entanto, em breve vai descobrir a sua ascendência real e vai ser exigida pelo seu verdadeiro povo: os godos. Albión sofre a opressão de Lubbo, um tirano sanguinário que restaurou o sacrifício humano para adorar um deus arcaico que muitos desejam enterrar. A vida aprazível no vale vê-se mergulhada na luta pela sublevação, e a protegida do druida Enol é sequestrada por guerreiros de origem sueva. Jana, como é conhecida, é incumbida de proteger a taça do poder, que Enol lhe entrega com o objectivo de a afastar de Lubbo e da terrível ameaça no caso de ele se apoderar dela. Após a sua união com Aster, líder dos rebeldes e posteriormente príncipe dos albiões, Jana, a quem mais tarde acabarão por revelar a sua verdadeira identidade de princesa perdida, viaja, contra a sua vontade, rumo ao reino dos godos, para proteger os seus e cumprir um último desejo: devolver a taça sagrada aos povos do Norte. A Rainha sem Nome transporta o leitor através de uma viagem cheia de aventuras pela Península Ibérica goda e a França merovíngia. Um fascinante lapso de tempo, obscuro e desconhecido, que é oferecido ao leitor com apurada mestria literária e rigor histórico".


Para mim uma leitura compulsiva, ou não amasse a Península Ibérica e tudo o que respeita aos lígures e aos celtas. Daquelas histórias que me transportam para outros mundos de onde não consigo sair, confraternizando com as personagens, vivendo os seus dramas, mas acima de tudo, sorvendo a sua espiritualidade e os seus dilemas. Sem rasgos de linguagem, ou poesia em prosa, Gudín lê-se pelo retrato histórico.

Uma constelação de lutas pelo poder e pela riqueza territorial entre cantábricos, suevos, francos e visigodos que ocuparam a zona da Península Ibérica e da França, nos tempos bárbaros. Ainda o retrato das diferenças religiosas e da mulher enquanto objecto de troca, e da busca pela posse de um cálice (Graal dos celtas).


Nota menos para a edição: muitos erros de português e gramaticais na tradução da Difel!