30 dezembro 2014

Patrick Modiano (2014)

2014 é ano de celebração literária. Para além da habitual voracidade de livros técnicos e espirituais, tive oportunidades de descobrir autores fabulosos como Mario Vargas Llosa (A Civilização do Espectáculo) e Ryszard Kapuscinski (Os cínicos não servem para este ofício). Para confirmar alergias: António Lobo Antunes (Sôbolos rios que vão); e render-me a guilty pleasures: Luís Miguel Rocha (Bala Santa e O último Papa), Daniel Silva (O Confessor) e José Rodrigues dos Santos (A Ilha das Trevas). Claro que este último caso serviu para aumentar o apreço pelos timorenses e pela história e a aversão pelos poderes políticos.



Mas 2014 trouxe algo maior. Trouxe-me Patrick Modiano. Prémio Nobel da Literatura (2014), criador de obras primas, ou melhor, de personagens que se colam à nossa pele e nos fazem deambular por lugares que se tornam tão familiares, quantos as personagens se tornam num nós. No café da juventude perdida  ou O Horizonte pertencem ao universo "modianesco" e este é talvez o melhor que se pode dizer da obra de um autor: usar o seu nome para definir um estilo, aquele estilo que faz com que personagens e lugares, se confundam com as nossas memórias de vida. Neste momento damos por nós a dizer: "há tempos fui ao café Condé e... quando falei com a minha amigo Louki... ou quando me cruzei com o Bosmans". E de repente já não é um livro, já não é uma história: é uma parte da nossa vivência. 




29 dezembro 2014

Boyhood (2014)

Linklater é um realizador responsável por "obras-primas" que têm o dom de desviar os meus pensamentos persistentes do quotidiano, ou sobre conteúdos pouco estimulantes, ou do merecido vácuo que me ocupa a alma quando a saturação ou a falta de paciência a preenchem.
Num ano de poucas surpresas cinematográficas - não estou a brincar, muito poucos filmes me fizeram tecer comentários positivos (os negativos nem os faço pois não gosto de contribuir para o buzz do que é mau) - eis que me decido por ver o "épico gravado ao longo de 12 anos".

Boyhood acompanha a vida de Mason, entre os 5 e os 18 anos, e como diz a canção "your masquerade I don't wanna be a part of your parade everyone deserves a chance to walk with everyone else". Fruto de uma relação inconsequente, de uma mãe lutadora mas com fraco critério na escolha dos companheiros, Mason é um rapaz sossegado, calmo, com quem é muito fácil empatizar. Observador, sincero; enternecemos ao apreciar a sua relação com a mãe, com o pai e a forma como parece "completamente desligado" daquilo que antevemos como más opções.

Claro que Ethan Hawke, o actor fetiche de Linklater, dá um contributo valioso, especialmente nos diálogos existenciais com os filhos e nas reflexões sobre a vida... que vai tentando viver como os milhares de remediados que sobrevivem ou tentam viver.