20 abril 2010

Jesusalém




"Jesusalém” de Mia Couto é classificado pela Editora Caminho como “a mais madura e mais conseguida obra de um escritor no auge das suas capacidades criativas”.

O romance começa assim: “Profundamente abalado pela morte da mulher, Dordalma, aquela que era ‘um bocadinho mulata’, Silvestre Vitalício afasta-se da cidade e do mundo. Com os dois filhos Mwanito e Ntumzi, mais o criado ex-militar Zacarias Kalash, faz-se transportar pelo cunhado Aproximado para o lugar mais remoto e inalcançável. Aí, numa velha coutada de caça em ruínas, funda o seu refúgio, a que dá o nome de Jesusalém, porque a vida é demasiado preciosa para ser esbanjada num mundo desencantado”.


O narrador é Mwanito, o filho mais novo de Silvestre, que numa voz ingénua e ignorante nos fala do mundo que vive nele, nas faltas e particularidades de uma vida feita de silêncios, insinuações e naturezas.

Mwanito vai-nos contando como é "ser como um engano, como se a existência fosse uma indiscrição" naquele universo criado e mantido pela loucura de um homem que saiu do seu lugar para nunca mais a si regressar, arrastando consigo os filhos, o cunhado e um serviçal. É este homem enlouquecido pela perda, que preferiu fugir a fazer luto que personifica a afirmação: " o homem é bicho morredouro, que adora a vida mas gosta ainda mais de não deixar viver".

O prazer na leitura deste trabalho advém das numerosas pérolas versificadas, escritas sem pretensões, lidas em surpresa e reflectidas com um inabalável sorriso:

  • o sonho é uma conversa com os mortos, uma viagem ao país das almas.
  • as casas são habitadas por sombras e governadas por lembranças.
  • a cegueira é o destino de quem se deixa tomar de assalto pela paixão: deixamos de ver quem amamos.
  • os mortos não morrem quando deixam de viver, mas quando os votamos ao esquecimento.
  • se queres conhecer um homem, espreita-lhe as cicatrizes.

Jesusalém é terra de dor, de lonjura, de fuga de um mundo que há muito deixou de ter respostas, palavras ou sequer sorrisos.

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