20 janeiro 2009

Pedro Homem de Mello (1970-1979)


Alinhar à direita


Desterrado
(1970)

Alívio

Noite. Do crime
Nasce o perdão.

O tempo foge.
Os homens não.

Cegos e surdos,
Nos afundamos.

Tronco sem flor.
Jardim sem ramos.

Braços e pés
Em mar de areia.

E aquele mar
Brusco, incendeia.

Quem diz que o fogo
Tudo consome?

Resta, ainda, a sede!
Resta, ainda, a fome!

E a escuridão,
Mal rompe o dia,
Lembra um balão
Que se esvazia...



Fandangueiro (1971)

Inferno

Mordido em corpo inteiro
(E é Deus quem no-lo diz!)

Mordido em corpo inteiro,
Na flor e na raiz
Mordido na lembrança
Constante dos sentidos.
Mordido na lembrança
Dos frémitos perdidos.
Mordido em cada braço,
Mordido em cada rim,
Nos beiços e nos ossos
Mordido até ao fim.
Mordido, mais mordido,
Mordido mais e mais,
Cada vez mais mordido
Até não poder mais.
E seja como for
Mordido sempre em vão.
Mordido pelo amor
Como nos morde um cão.

Peixes

Inteligência de água. Alma de flores.
Para eles não há lume, além das cores.

Por isso, é claro o seu olhar enxuto
E a sua dança é como um aqueduto.

Pomar oculto. Música perdida.
Silêncio azul que dura toda a vida.

Nem lágrimas, nem mesmo ecos de prece.
Se um deles morre não desaparece.

E a sua pele, espelho que flutua,
Serve, em segredo, de tapete à Lua.

Poesia

À mesma hora,
Todos os dias,
Durmo ou desperto
De mãos vazias.
No mesmo quarto,
Na mesma casa,
Quedo-me, à espera
Da campa rasa.
Rezo na Igreja
A mesma prece.
A oração longa
Logo se esquece...
Na mesma rua,
A mesma gente
Vê-me passar
Indiferente.
Chamam a isto
Monotonia,
Concha vazia,
Luz que se adia?
Mas dou-lhe o nome
De poesia...

Fado

Por que é que Adeus me disseste
Ontem e não noutro dia,
Se os beijos que, ontem, me deste,
Deixaram a noite fria?

Para quê voltar atrás
A uma esperança perdida?
As horas boas são más
Quando chega a despedida.

Meu coração já não sente.
Sei lá bem se já te vi!
Lembro-me de tanta gente
Que nem me lembro de ti.

Quem és tu que mal existes?
Entre nós, tudo acabou.
Mas pelos meus olhos tristes
Poderás saber quem sou!

Cartas de Inglaterra (1973)

Bedford Street

Alas de árvores, no meio
Da rua lenta, avançando...

Das casas há-de vir quando,
A foice que ainda não veio?

Noite.
Noite em que me afundo...

Noite.
Noite em pleno dia...

Sonhei:
- e se de uma dessas árvores caía

Como se, nela,
Se apagasse o mundo?

De que nacionalidade
São as sílabas da voz
Que o silêncio do Poeta invade?

E a Pátria?
- A Pátria está onde estivermos sós.



Expulsos do Governo da Cidade (1979)

Ilha

Procuro o Paraíso.
E nasce, em mim, a mágoa.

Estranho mal o meu,
O mal da poesia!

Surdez de não ouvir senão a água...
Cegueira de não ver senão o dia.

Repúdio

Aceitei-a como o sol,
Como o sol, quando era dia.
Aceitei-a com o amor,
Com o amor, quando era noite
E cada corpo se abria...
Mudo, vencido, aceitei-a,
Com as ondas mais inquietas,
Com o tempo já perdido.
Aceitei-a com a infância
Que falava ao meu ouvido.
E o vento, quando a trouxera,
Prometera-me um navio!
Contudo, não era aquela,
Nem na cor, nem no feitio.
Não era aquela, não era.
Oh! Não era aquela, não.
Era outra, talvez mais bela,
- A mais bela embarcação! -

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