04 maio 2014

A arte de dormir sozinha (Sophie Fontanel)


A edição portuguesa da Guerra & Paz de A arte de dormir sozinha de Sophie Fontanel apresenta na capa a interrogação: "o que leva uma mulher a desistir do sexo?" deixando o teaser para a expectativa de encontrar as respostas nas 150 páginas do livro.

Pois bem, não há resposta, ou pelo menos, Sophie Fontanel não a dá. A leitura revela uma mulher que tomou uma opção e que escreve para tentar justificar a mesma. Mostra a forma como os amigos se interrogaram, a interrogaram e de, certa forma, a julgaram, por ter decidido trilhar caminhos opostos aos preconizados pela sociedade actual, impregnada de apelos à importância do sexo na vida das pessoas e à condenação de quem não vive dando azo à luxúria e ao prazer. É difícil aos outros compreender como alguém decide algo "anormal", especialmente quando é uma pessoa "sexual" (atraente e lasciva). Mas a autora não fechou o corpo à sensualidade, apenas ao sexo, sendo o seu testemunho a evidência disso mesmo.

Fontanel explica a aversão que começou a sentir quando não havia envolvimento emocional com os seus amantes. Cansou-se de dar o corpo, na busca de um prazer momentâneo que, uma vez consumado, deixava um vazio. A inquietação do nada, do vulgar, daquilo que todos faziam, mesmo que o fizesse por sua iniciativa, levou-a a procurar a sua vontade, o significado dessa vontade. Sobre o uso do corpo, objecto vácuo de mera fruição, teria beneficiado com a leitura do onze minutos de Paulo Coelho, mas poderia não se identificar com a protagonista. Afinal, Fontanel é uma intelectual francesa, "passeia-se" entre uma elite dita erudita, amante da arte e da cultura. Portanto, "mais inteligente" / racional que uma prostituta que dá o corpo porque precisa de comer (personagem de Coelho).

Para além do retrato do questionamento, da crítica e da vacuidade das vidas dos amigos, com exemplos por vezes menos livres e menos preenchidos que os de Fontanel, a autora desfia exemplos de "compensações" de prazer. Isto é, a forma como ficou mais desperta para as "ofertas" da vida, aqueles momentos e dádivas que não vemos quando a nossa mente se entrega a momentos orgásmicos vividos ou fantasiados. Sem os sentidos inebriados, o corpo desperta para a envolvente, encontra substitutos para a ausência do estímulo corporal, descobre a verdadeira sensualidade.

No fundo, o corpo precisa de tranquilidade para se encontrar com as mais diversas fontes de prazer. "A solidão torna-nos perspicazes" (p. 83), mas também nos mostra o "desespero" de se constatar que não se ama ninguém (p. 107).

Ao fim de doze anos, Fontanel conclui que a nossa parte física são os outros que no-la dão, por isso e apesar da coragem e resiliência subjacente a uma decisão de viver no meio dos outros com uma opção "diferente", mais cedo ou mais tarde, o corpo volta a "falar" e a pedir o afecto, o carinho... sobretudo o prazer que só o envolvimento dos corpos proporciona. De vontade, de acordo com a liberdade de cada um, e novamente Fontanel se revela "diferente"... com mais de 50 anos de idade renuncia ao compromisso, ao casamento, ao convencional nas relações, pois só a sua carreira, a sua "arte" a possuem!


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