Não choreis os mortos
Não choreis nunca os mortos esquecidos
Na funda escuridão das sepulturas.
Deixai crescer, à solta, as ervas duras
Sobre os seus corpos vãos adormecidos.
E quando, à tarde, o Sol, entre brasidos,
Agonizar... guardai, longe, as doçuras
Das vossas orações, calmas e puras,
Para os que vivem, nudos e vencidos.
Lembrai-vos dos aflitos, dos cativos,
Da multidão sem fim dos que são vivos,
Dos tristes que não podem esquecer.
E, ao meditar, então, na paz da Morte,
Vereis, talvez, como é suave a sorte
Daqueles que deixaram de sofrer.
in Caravela ao mar (1934)
Canção à ausente
Para te amar ensaiei os meus lábios...
Deixei de pronunciar palavras duras.
Para te amar ensaiei os meus lábios.
Para tocar-te ensaiei os meus dedos...
Banhei-os na água límpida das fontes.
Para tocar-te ensaiei os meus dedos!
Para te ouvir ensaiei meus ouvidos!
Pus-me a escutar as vozes do silêncio...
Para te ouvir ensaiei meus ouvidos!
E a vida foi passando, foi passando...
E, à força de esperar a tua vinda,
De cada braço fiz mudo cipreste.
A vida foi passando, foi passando...
E nunca mais vieste!
Quando o vento dobrou todo o salgueiro
Quando o vento dobrou todo o salgueiro
E as folhas caíram sobre o tanque
Disseste-me em segredo:
- A vida é como as folhas
E a morte é como as águas!
Depois, à nossa frente,
Um pássaro cortou com o seu voo azul
Os caminhos do vento.
E tu disseste ainda:
- O amor é como as aves...
Mas quando aquele pássaro, ferido
Já nem sei por que bala,
Veio cair ao tanque,
Mais negros e mais fundos os teus olhos
Prenderam-se nos meus!
E não disseste nada...
in Segredo (1939)
Berço
Mansa criança brava,
Fui das mais,
Diferente.
Então, tristes, meus pais
Sentiram, certamente,
Em mim, como um castigo!
Noite e dia eu sonhava...
E era sempre comigo!
Depois, fugindo à gente,
Eu procurava as flores,
Em todas encontrando
Jeito grácil e brando
De brinquedos e amores...
As violetas sombrios
Dos bosques de Cabanas
Essas, sim! Entendi-as
E julgava-as humanas!...
Simplicidade
Queria, queria
Ter a singeleza
Das vidas sem alma
E a lúcida calma
Da matéria presa.
Queria, queria
Ser igual ao peixe
Que livre nas águas
Se mexe;
Ser igual em som,
Ser igual em graça
Ao pássaro leve,
Que esvoaça...
Tudo isto eu queria!
(Ser fraco é ser forte).
Queria viver
E depois morrer
Sem nunca aprender
A gostar da morte.
Incerteza
Toda, toda a noite fria
O rouxinol cantou.
Mas ao raiar do dia
Logo se cala triste,
Uns dizem que fugiu
Outros que não existe.
in Estrela Morta (1940)
4 comentários:
As datas estão erradíssimas!
Pedro Homem de Mello nasceu a 6 de Setembro de 1904 e faleceu a 5 de Março de 1984!
Antes de "corrigirmos" precisamos de pensar. As datas são referentes à publicação dos poemas e não ao nascimento e morte do autor.
Pois quando se escrevem datas em parêntesis ao lado do nome duma pessoa, está implícito serem as datas da morte e nascimento dessa pessoa...
É assim em todas as notas biográficas.
Se se referia à data de publicação do poema, isso varia consoante as inúmeras edições do livro original, assim como em colectâneas e revistas...
Em primeiro lugar, esta publicação não é uma nota biográfica, não conta a vida do poeta, apresenta parte da sua obra.
Em segundo lugar, o poeta quando escreveu os poemas datou-os, por isso e mesmo, quando publicado em diferentes edições e colectâneas - as boas edições e colectâneas indicam o ano original da finalização/publicação original do poema.
Inclusivamente - e à semelhança do que acontece com pintores - é essa datação que permite identificar "as fases artísticas"; neste caso, as fases literárias do poeta.
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