quem nada tem nada pode perder, mas quem arrisca pode ganhar tudo... 'sem a loucura que é o homem mais que a besta sadia, cadáver adiado que procria?' [Fernando Pessoa, D. Sebastião]
16 maio 2007
Adeus por Eugénio de Andrade
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
(um dos mais belos poemas de Eugénio de Andrade! o retrato de como os sentimentos são como uma planta que precisa de ser regada, não com palavras, mas com substância!)
[quantas vezes são as palavras que gastam os sentimentos, que entristecem as almas... também são as palavras que as alegram, mas por quanto tempo? o tempo de uma ilusão logo destruída pelos gestos, pelos actos. por isso, gosto dos teus gestos e tento dar às palavras apenas o valor do momento. contigo não quero gastar as palavras, nem a alma... apenas quero existir: OLÁ!!!]
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