18 outubro 2007

despedida

[orfeu e eurídice by Rodin]


Antecipa-te a toda a despedida, como se ela te ficasse
já para trás, como o inverno que está a partir.
Pois entre invernos há um tão sem-fim inverno
que, sobre-hibernando-o, o teu coração sobreviverá.

Sê sempre morto em Eurídice - , mais cantante sobe,
Mais celebrante sobe e volta à pura relação.
Sê aqui, entre os efémeros, no reino do declínio,
Sê cristal tininte que já no tinido se quebrou.

Sê – e sabe ao mesmo tempo a condição do não-ser,
A infinda razão do teu íntimo vibrar
Pra a cumprires totalmente esta única vez.

Às reservas usadas, como às surdas e mudas,
Da natureza plena, às somas incontáveis
Soma-te a ti com júbilo e destrói o número.



Rainer Maria Rilke (1875-1926)
Sonetos a Orfeu
(tradução de Paulo Quintela)


[esta coisa de viver sempre a antecipar as despedidas conforma-nos, mas não sei até que ponto não as provoca... enfim! para já estou em tempo de despedidas: grandes despedidas]


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