09 julho 2012

Gabriel

Quando li Cem Anos de Solidão não percebi muito do que acontecia com aquela família Buendia, mas percebi muito do que ía na imaginação daquele autor com tanto para dizer e que usava as personagens para simplesmente contar as suas histórias: várias histórias que pululavam nos seus sonhos, na sua vida em busca de um rumo ou do caminho para subir aquela montanha.
Nem sabia que aquele autor era prémio Nobel, nem o que isso significava. Estava apaixonada por aquele livro, o primeiro com quase 5 centenas de páginas que li vorazmente sobre um sentimento que me atormentava (pensava eu). Quando cheguei ao fim, não percebi o título e durante muito tempo não o percebi. Não encontrei a tal solidão, nem percebi como uma família tão extensa poderia sentir tal coisa (tão iluminado esta meu cérebro!).

Mais tarde conheci o autor: os prémios, a vida, a obra... contudo não passei das páginas iniciais de memórias das minhas tristes putas ou de uma adaptação cinematográfica de amor em tempo de cólera.
Mas nunca mais encontrei o Gabo, como é carinhosamente chamado. Talvez porque os bons livros são assim mesmo: nada os substitui. Mas eis que agora corre mundo a notícia que o Gabo parou de escrever, a memória atraiçoa-o.

Para mim encontrou a solidão nas suas histórias e agora pode dedicar-se a explicá-la em palavras curtas, em lições simples... porque não são necessárias páginas em barda para nos pôr a pensar, especialmente, quando tudo ficou demasiado efémero.



“Se por um instante Deus se esquecesse que sou uma marioneta de trapo e me oferecesse mais um pouco de vida, não diria tudo o que penso, mas pensaria tudo o que digo.
Daria valor às coisas não pelo que valem, mas pelo que significam.
Dormiria pouco, sonharia mais.
Entendo que por cada minuto que fechamos os olhos, perdemos 60 segundos de luz.
Andaria quando os outros páram, acordaria quando os outros dormem.
Ouviria quando os outros falam e como desfrutaria de um bom gelado de chocolate…
Se Deus me oferecesse um pouco de vida, vestir-me-ia de forma simples, deixando a descoberto não apenas o meu corpo, mas também a minha alma.
Meu Deus, se eu tivesse um coração, escreveria meu ódio sobre gelo e esperava que nascesse o sol.
Pintaria com um sonho de Van Gogh as estrelas de um poema de Benedetti, e uma canção de Serrat seria a serenata que oferecia à Lua.
Regaria as rosas com minhas lágrimas para sentir a dor dos seus espinhos e o beijo encarnado das suas pétalas…
Meu Deus, se eu tivesse um pouco mais de vida, não deixaria passar um só dia sem dizer às pessoas de quem gosto que gosto delas.
Convenceria cada mulher ou homem que é o meu favorito e viveria apaixonado pelo Amor.
Aos Homens, provar-lhes-ia como estão equivocados ao pensar que deixam de se apaixonar quando envelhecem, sem saberem que envelhecem quando deixam de se apaixonar.
A uma criança dar-lhe-ia asas, mas teria de aprender a voar sozinha.
Aos velhos, ensinar-lhes-ia que a morte não chega com a velhice, mas sim com o esquecimento.
Tantas coisas aprendi com vocês Homens…
Aprendi que todo o mundo quer viver em cima de uma montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a encosta.
Aprendi que quando um recém-nascido aperta com sua pequena mão, pela 1ª vez, o dedo de seu pai, o tem agarrado para sempre.
Aprendi que um Homem só tem direito a olhar outro de cima para baixo quando vai ajudá-lo a levantar-se.
São tantas as coisas que pude aprender com vocês, mas não me hão-de servir realmente de muito, porque quando me guardarem dentro dessa maleta, infelizmente estarei a morrer…”
Gabriel Garcia Marquez (Carta de Despedida aos Amigos)

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