02 dezembro 2009

Lady in the Water


As críticas ao filme de M. Night Shyamalan foram avassaladoras, tendo Lady in the water sido considerado o pior filme de 2006. Contudo, parece-me que os senhores críticos de cinema habituados a «mediocridade disfarçada em efeitos especiais» e pouco receptivos à «concorrência ao produto global» se esqueceram de ver efectivamente o filme.

O realizador afirma que baseou o argumento numa história de encantar que contava aos filhos para prevenir o encanto que os mesmos tinham pela piscina. Ou seja, usava uma história do tipo «bicho papão» para educar os filhos. Os críticos pegaram nisso e ridicularizaram o trabalho de um dos mais inovadores e geniais realizadores estrangeiros em Hollywood. Além isso, também não lhe perdoaram o facto de o senhor integrar o elenco como um visionário que denuncia vícios da liderança global e invoca a necessidade de tolerância cultural para garantir o futuro e a prosperidade das gerações seguintes. Pois é, o líder inspirado não pode ser um «simples indiano», falhado que vive com a irmã... tem de ser, no mínimo, americano.


Mas vamos à história e ao simbolismo que eu gosto de lhe encontrar.

O cenário é Cove, um condomínio com piscina em Philadelphia cujo responsável da manutenção é Cleveland Heep (Paul Giamatti), um antigo médico marcado pela perda da família num assalto brutal, que se culpa por não os ter salvo. Portanto, um homem que «deixa de viver» devido à perda, à falta de coragem para continuar e que prefere reduzir-se à sua insignificância.
Mas é precisamente este homem, abnegado que serve os outros, que vai encontrar Story (a História, a tradição), uma narf (ninfa das águas - entidade pagã) que vive na piscina do condomínio e que precisa de ajuda para cumprir a sua missão.
É o homem que «tudo perdeu» que se predispõe a ouvir, ao contrário dos que querem ganhar tudo e se esqueceram como se ouve (plot inicial do filme onde a história de encantar começa).

Story precisa de encontrar o seu vessel (o receptáculo da sua mensagem), isto é, um escritor cuja ideias sobre o mundo irão salvar o futuro e mudar o curso da história. O encontro é necessário por dois motivos: Story necessita de regressar ao seu mundo e para isso necessita de transmitir a sua mensagem ao vessel e além disso precisa que seja reunido um conjunto de intervenientes para que a Great Eatlon (águia, símbolo de poder e de São João, o Evangelista) a venha buscar para o Blue World (como se chama a Terra vista do espaço, sem estar atacada pela poluição?).
Este conjunto de pessoas são:
. Guardian (o guerreiro, a força): o indivíduo que consegue dominar o demónio scrunts que impede Story de «ascender» e que pretende matá-la para impedir a concretização da sua missão;
. Healer (o Mago): quem pode curar as feridas de Story, com a ajuda da lama kii;
. Symbolist (sabedoria dos iniciados): quem interpreta os sinais e a estratégia de ajuda a Story;
. Guild (a confraternidade): o grémio que facilita a distracção de scrunts;
. As sete irmãs (sete são as Pleiades, sete são as Hesperides, sete são as virgens prometidas aos muçulmano): para a cerimónia da energia do amor que cura.

A juntar a estes intervenientes existem ainda os terríveis Tarturic, responsáveis pela justiça e pela observância das regras do Blue World, que deveriam punir scrunts por atacar Story de forma traiçoeira e não conforme as normas.

Toda a história gira em torno de uma mensageira que vem anunciar a mudança, o que desagrada ao poder instituído. Além disso, faz a apologia do amor, da energia positiva, do serviço ao outro, apresentando um herói colectivo repleto de humanos demasiado humanos (isto é, cheios de inseguranças e defeitos) que mesmo assim podem fazer a diferença. Este colectivismo é completamente antagónico ao individualismo e ao sistema star-system americano. Todos querem 15 minutos de fama mas sozinhos, nunca partilhando os louros.

Por outro lado, os intervenientes são de raças, etnias e estilos de vida diversificados (desde das emigrantes chinesas e indianos, à numerosa família americana, ao herói de guerra isolado, à reformada, ao crítico de cinema) com papéis distintos no desenrolar da trama.

Finalmente, toda a história é impregnada de símbolos tradicionais, inspirados na mitologia e só compreendidos a quem estiver disponível para olhar mais longe.

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