26 maio 2008

profeta





Do amor
Pois o amor, coroando-vos, também vos sacrificará. Assim como é para o
vosso crescimento também é para a vossa decadência.
Mesmo que ele suba até vós e acaricie os mais ternos ramos que tremem ao sol,
Também até às raízes ele descerá e abaná-las-à
Enquanto elas se agarram à terra.
Como molhos de trigo ele vos junta a si.
Vos amanha para vos pôr a nu.


Vos peneira para vos libertar das impurezas.
Vos mói até à alvura.
Vos amassa até vos tomardes moldáveis;
E depois entrega-vos ao seu fogo sagrado, para que vos tomeis pão sagrado
para a sagrada festa de Deus.
Toda estas coisas vos fará o amor até que conheçais os segredos do vosso
coração, e, com esse conhecimento, vos tomeis um fragmento do coração da Vida.
Mas se, receosos, procurardes só a paz do amor e o prazer do amor,
Então é melhor que oculteis a vossa nudez e saiais do amor,
Para o mundo sem sentido onde rireis, mas não com todo o vosso riso, e
chorareis mas não com todas as vossas lágrimas.
O amor só se dá a si e não tira nada senão de si.
O amor não possui nem é possuído;
Pois o amor basta-se a si próprio.






Do Casamento
Amai-vos um ao outro, mas não façais do amor uma prisão;
Deixai antes que seja um mar ondulante entre as margens das vossas almas.
Enchei a taça um do outro mas não bebais de uma só taça.
Parti o vosso pão ao meio mas não comais do mesmo pão.
Cantai e dançai juntos, mas deixai que cada um de vós fique sozinho.
Como as cordas de uma lira estão sozinhas embora vibrem ao som da mesma música.


Entregai os vossos corações mas não ao cuidado um do outro.
Pois só a mão da Vida pode conter os vossos corações.
E ficai juntos mas não demasiado juntos:
Pois os pilares do templo estão afastados, e o carvalho e o cipreste não crescem à sombra um do outro.






Da Dor


Muita da vossa dor é escolhida por vós.
É a poção amarga com a qual o médico dentro de vós cura o vosso interior doente.
Por isso confiai no médico e bebei o seu remédio em silêncio e tranquilidade:
Pois a sua mão, embora dura e pesada, é guiada pela mão terna do Invisível,
E o cálice que ele vos dá, embora possa queimar os vossos lábios, foi feito
com o gesso que o Oleiro humedeceu com as Suas lágrimas sagradas.






Da Amizade


na amizade, todos os pensamentos, todos os desejos, todas as esperanças
nascem e são partilhadas sem palavras, com alegria.
Quando vos separais de um amigo não fiqueis em dor, pois aquilo que mais
amais nele tornar-se-à mais claro com a sua ausência, tal como a montanha, para
quem a escala, é mais nítida vista da planície.
E não deixeis que haja outro propósito na amizade que não o aprofundamento do espírito.
Pois o amor que só procura a revelação do seu próprio mistério, não é amor
mas uma rede lançada que só apanha o que não é essencial.
E deixai que o que de melhor há em vós seja para o vosso amigo.
Já que ele tem de conhecer o refluxo da vossa maré, que conheça também o seu fluxo.
Pois para que serve o vosso amigo se só o procurais para matar o tempo?
Procurai-o também para viver.
Pois ele preencher-vos-à os desejos, mas não o vazio.
E na doçura da amizade que haja alegria e a partilha de prazeres.
Pois é nas pequenas coisas que o coração encontra a frescura da sua manhã.



[Kahlil Gibran - O Profeta. Editora Pergaminho.]


[A borboleta continuará a pairar sobre o campo e as gotas de orvalho ainda brilharão sobre a relva quando as pirâmides do Egito estiverem destruídas e não mais existirem os arranha-céus de Nova York.]

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